Vox Patris
✨ Adoração ou Veneração?
Introdução
O Vox Patris1 2, maior sino em funcionamento no mundo, foi instalado em Trindade-GO. Trata-se de uma peça colossal que impressiona visitantes e devotos: seu toque ressoa a quase dezoito quilômetros de distância.
Como acontece com muitos elementos da fé católica, não tardaram as críticas. Já ouvi um irmão protestante perguntar a outro se ele “já tinha ido lá adorar o sino”, insinuando que quem se aproxima do Vox Patris com devoção estaria cometendo idolatria. Alguns irmãos evangélicos realmente interpretam assim, sobretudo quando veem pessoas rezando ou ajoelhando-se diante do monumento.
A questão é compreensível, mas só se sustenta quando não se distingue devidamente adoração — latria, exclusiva de Deus — de veneração, honra legítima prestada a realidades que nos conduzem a Ele. Muitos, simplesmente, ainda não fazem essa distinção.
Como todo bom diálogo ecumênico deve começar pela Sagrada Escritura, convidamos o leitor a percorrer comigo o ensinamento bíblico. Tomemos um episódio-chave:
“Josué chamou os doze homens […] e lhes disse: ‘Passem à frente da Arca de Javé, seu Deus, para o meio do Jordão, e cada homem levante uma pedra sobre os ombros […] a fim de que seja um símbolo no meio de vocês. […] e estas pedras servirão de memorial para sempre diante dos filhos de Israel.’” (Js 4,4-7)
A partir desse texto, examinaremos:
o sentido bíblico do símbolo;
a diferença entre ícone e ídolo;
o valor da postura corporal (prostração ≠ adoração);
e, por fim, a veneração dos santos como expressão da comunhão em Cristo.
Cada passo busca mostrar que a genuína devoção católica não rouba a glória de Deus, mas a exalta — exatamente como aconteceu com as doze pedras de Josué, a serpente de bronze de Moisés e, sobretudo, com a Arca da Aliança, trono da presença de Javé no meio do Seu povo.
O Símbolo
Um símbolo. É exatamente isso: um símbolo!
Quando olhamos para o Vox Patris, vemos um símbolo, um sinal sensível que remete ao invisível. Seu tamanho evoca a grandiosidade do Pai eterno. Seu toque, audível a 18 quilômetros de distância, lembra-nos a potência da voz de Deus, que tudo criou pelo Verbo.
Olhar para o sino é colocar-se em sintonia com a majestade divina. É usar um objeto visível como porta de entrada para o mistério de Deus, assim como os antigos profetas usavam gestos, objetos e ritos para conduzir o povo à fé.
O povo de Israel também ergueu símbolos sagrados, conforme a própria Escritura atesta, para que servissem de memorial perpétuo às gerações futuras:
“Josué chamou os doze homens […] e lhes disse: ‘Passem à frente da Arca de Javé, seu Deus, para o meio do Jordão, e cada homem levante uma pedra sobre os ombros […] a fim de que seja um símbolo no meio de vocês. […] e estas pedras servirão de memorial para sempre diante dos filhos de Israel.’” (Js 4,4-7)
Ora, se o povo escolhido podia levantar marcos visíveis para lembrar os feitos do Senhor, por que nós, cristãos, não poderíamos também recorrer a sinais que nos conduzem à memória viva de Deus?
Nós, católicos, fazemos isso com o crucifixo. Ele está em nossas casas, veículos, locais de trabalho, colares, pulseiras e igrejas. Muitos de nossos irmãos protestantes, no entanto, rejeitam o uso da cruz com a imagem de Cristo, alegando que seria uma forma de cultuar um “Deus morto”. Mas aqui reside um equívoco: Jesus ressuscitou, está vivo, e nenhum católico jamais afirma o contrário.
O que ocorre é que o crucifixo é, novamente, um símbolo. Não é adorado em si mesmo — não prestamos culto à madeira ou ao metal — mas ao Cristo vivo que ali foi representado, na expressão suprema do Seu amor redentor. Ele nos conduz a verdades centrais da fé cristã, inclusive àquelas que protestantes também professam.
O crucifixo nos conduz a:
a) A memória viva do sacrifício de Cristo.
O crucifixo nos lembra da entrega de Jesus na cruz por amor à humanidade (Jo 15,13). É o sinal visível do mistério central da nossa fé: a paixão, morte e ressurreição de Cristo.
“Nós pregamos Cristo crucificado.” (1Cor 1,23)
b) O sinal da redenção.
A cruz de Cristo é sinal de vitória, não de fracasso: foi pela cruz que Jesus venceu o pecado e a morte (Cl 2,14-15). É sinal de redenção e de salvação.
c) A fé encarnada.
O catolicismo é uma fé encarnada: valoriza os sentidos, os símbolos e as imagens como formas legítimas de expressar e viver a fé, e como caminhos para o encontro com Deus (cf. Catecismo 1160).
O crucifixo é um convite constante à contemplação do amor de Deus manifestado na cruz.
Portanto, a Igreja Católica nos ensina que não se pode separar a cruz da ressurreição. A cruz é o caminho que levou à vitória. Por isso, o crucifixo é um sinal completo do mistério pascal. Para nós, católicos, ele é sinal de amor, de entrega e de salvação — um chamado visual e permanente à contemplação do Cristo que nos amou até o fim (Jo 13,1). E isso é motivo de adoração a Deus, e não ao objeto.
A própria Bíblia mostra o uso de imagens como símbolos eficazes de salvação:
“E Javé lhe respondeu: ‘Faça uma serpente flamejante e coloque-a no alto de um mastro. Quem for mordido e olhar para ela, ficará curado.’ Moisés fez, então, uma serpente de bronze e a colocou no alto do mastro. Quando alguém era picado por uma serpente, olhava para a serpente de bronze e ficava curado.” (Nm 21,8-9)
Deus ordena que se faça uma imagem, mesmo de uma serpente, símbolo de morte. Mas ela, enquanto instrumento, leva o povo a voltar-se para Deus e ser salvo. A imagem não tem poder em si — o poder vem de Deus — mas serve de ponte entre o visível e o invisível, o físico e o espiritual.
Se o próprio Deus ordenou a criação de um símbolo visual para conduzir o povo à cura e à salvação, por que nós não poderíamos ter um símbolo do Cordeiro imolado, que tirou o pecado do mundo? O crucifixo cumpre esse papel: ele aponta para Cristo e nos recorda Seu amor, Sua entrega e nossa redenção.
A Adoração
“Ok, ok — faz sentido o que você disse aí sobre os símbolos, mas ajoelhar diante do sino? Aí já é demais… Isso é adoração. Não dá pra aceitar!”
Essa é uma frase que facilmente poderíamos ouvir de um irmão protestante. E, à primeira vista, trata-se de uma colocação compreensível. Mas será que todo gesto de ajoelhar-se significa necessariamente adorar? Vamos refletir com mais profundidade.
Nem tudo o que não está descrito literalmente na Bíblia deixa de ter valor espiritual. E também não é porque algo não está narrado nas Escrituras que isso jamais tenha ocorrido ou seja errado.
Vamos refletir juntos:
Será que os filhos de Israel não poderiam ter se ajoelhado diante das doze pedras erguidas por Josué no Jordão, em sinal de louvor, gratidão ou reverência à ação de Deus ali recordada? Poderiam, sim. Por que não?
Será que os israelitas, ao olharem para a serpente de bronze erguida no deserto — símbolo da salvação oferecida por Deus — não poderiam ter se prostrado diante dela suplicando a cura ou agradecendo a Deus? Poderiam também. E isso não significaria idolatria, desde que o coração estivesse voltado ao Senhor, e não ao objeto.
É verdade que a Lei de Deus diz:
“Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima nos céus, embaixo na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas, nem lhes prestarás culto.” (Ex 20,4-5)
Alguns irmãos podem ainda dizer: “Mas os hebreus jamais se ajoelhariam diante de qualquer objeto feito por mãos humanas.”
Esse mandamento, no entanto, não proíbe toda imagem, mas a fabricação e uso de imagens com finalidade idolátrica — isto é, quando se presta culto de adoração à criatura como se fosse o Criador.
Aliás, o próprio Deus ordena, em outras passagens, a confecção de imagens: a serpente de bronze (Nm 21,8-9), os querubins sobre a Arca (Ex 25,18), ornamentos no Templo (1Rs 6,29-35). O critério não é a imagem em si, mas o uso que se faz dela.
Vejamos um exemplo importante:
“Então Josué rasgou suas vestes e se lançou com o rosto por terra diante da Arca de Javé, até à tarde, ele e os anciãos de Israel.” (Js 7,6)
Aqui, Josué e os anciãos se prostram diante de um objeto feito por mãos humanas: a Arca da Aliança. Ela era feita de madeira de acácia, revestida de ouro, com imagens de dois querubins esculpidos sobre o propiciatório. Será que Josué estava cometendo idolatria?
A resposta é não — e por uma razão fundamental: a Arca não era um ídolo, mas o trono visível da presença real de Deus entre o Seu povo. Ela não era adorada por si mesma, mas servia como lugar sagrado de encontro com Javé. A Bíblia diz explicitamente:
“A Arca de Deus… sobre a qual se invoca o Nome, o Nome de Javé dos Exércitos, que está entronizado sobre os querubins.” (2Sm 6,2)
Portanto, prostrar-se diante da Arca era uma forma legítima de reverência ao próprio Deus, presente de maneira especial naquele lugar. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica:
“A veneração das imagens sagradas está fundada no mistério da Encarnação do Verbo de Deus, e não é contrária ao primeiro mandamento.” (CIC 2131)
A idolatria ocorre quando se adora o objeto em si, atribuindo-lhe divindade. Mas o gesto de se ajoelhar pode expressar adoração a Deus, ou também respeito, súplica, arrependimento, ou veneração, dependendo da intenção interior. Tudo depende de a quem se dirige a alma naquele gesto.
Assim, se alguns devotos hoje se ajoelham diante do Vox Patris, ou de um crucifixo, ou diante de uma imagem de Maria ou de um santo, isso não significa que estão adorando esses objetos. Significa, sim, que estão em atitude de oração, buscando a Deus por meio de sinais que os ajudam a entrar em comunhão espiritual.
De fato, o Catecismo resume com perfeição:
“A honra prestada a uma imagem se dirige à pessoa representada nela.” (CIC 2132)
Se Josué se prostrou diante da Arca — feita por mãos humanas, com imagens — sem que isso fosse idolatria, por que também nós, cristãos, não poderíamos nos ajoelhar diante de objetos que nos remetem a Deus, sem que esses objetos substituam o lugar de Deus?
É o coração que adora, não apenas os joelhos.
Imagens
Comecemos com a objeção mais citada por nossos irmãos protestantes:
“Não farás para ti imagem […] não te prostrarás diante delas, nem lhes prestarás culto.” (Ex 20,4-5)
À primeira vista, esse versículo parece condenar toda e qualquer imagem. Mas, ao olharmos o conjunto da Escritura, percebemos que a questão não está na imagem em si, e sim no uso que se faz dela. A Bíblia está repleta de mandatos divinos que envolvem imagens sagradas:
“Josué chamou os doze homens […] e lhes disse: ‘Levantem uma pedra como símbolo entre vocês […] e estas pedras servirão de memorial para sempre.’” (Js 4,4-7)
“E Javé lhe disse: ‘Faça uma serpente flamejante […] e quem olhar para ela ficará curado.’” (Nm 21,8-9)
“Faça uma arca de madeira […] com dois querubins de ouro nas extremidades.” (Ex 25,10-22)
“Para o Santuário, Salomão fez dois querubins de oliveira silvestre com cinco metros de altura.” (1Rs 6,23)
“Salomão mandou esculpir figuras de querubins, palmeiras e flores nas paredes do Templo.” (1Rs 6,29)
“Nas portas havia figuras de querubins, palmeiras e flores, todas cobertas de ouro.” (1Rs 6,32)
“O trono tinha seis degraus […] com dois leões ao lado dos braços e doze leões nos degraus.” (1Rs 10,19-20)
Perceba: as imagens mandadas por Deus não foram proibidas, mas ordenadas com finalidades litúrgicas, pedagógicas e simbólicas. Elas serviam para recordar a presença divina, elevar o coração dos fiéis e preparar espiritualmente o povo para o culto verdadeiro.
Agora comparemos com episódios de idolatria condenada:
“Este lhes tomou o ouro, fundiu-o num molde e fez a estátua de um bezerro. Disseram: ‘Israel, este é o seu deus!’” (Ex 32,3-4)
“Jeroboão fez bezerros de ouro e os colocou em Betel, oferecendo sacrifícios diante deles.” (1Rs 12,32)
Aqui sim temos o pecado da idolatria: o objeto substitui Deus, recebe culto de adoração como se fosse Ele, e o povo desvia o coração do Criador para a criatura.
Perceba a diferença: não é a imagem em si o problema, mas o uso idolátrico que se faz dela.
As imagens católicas funcionam como ícones. Um ícone é como uma janela espiritual: assim como um ícone no computador abre um programa maior, uma imagem sagrada abre o coração para uma realidade invisível superior. O ícone nos convida à contemplação; o ídolo aprisiona o olhar em si mesmo.
O próprio mandamento de Ex 20,4-5 diz: “Não se proste diante desses deuses”. Ou seja, a proibição se refere às imagens que são tomadas como deuses — não a toda e qualquer imagem.
Além disso, veja como o livro do Deuteronômio reforça a intenção do mandamento:
“Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem […] Não te prostrarás diante deles.” (Dt 5,7-9)
Quando lemos Ex 20,4-5 e Dt 5,7-9 em conjunto, fica claro: Deus proíbe imagens idolátricas, feitas para substituir Sua presença ou disputar Sua glória, mas não condena as imagens sagradas, que servem como instrumentos legítimos de fé e culto de veneração e honra — quando usadas com reta intenção.
Portanto, quando um católico reza diante de uma imagem de Cristo, de Maria ou de um santo, não está adorando a imagem, mas honrando aquele que está representado ali.
Adoração vs. Veneração
“Já chega… mas e Maria e os Santos? Vocês oram para eles, se ajoelham diante das imagens deles, adorando peças de barro e gesso.”
Essa também é uma objeção comum — e, à primeira vista, pode até parecer razoável. Mas isso apenas se desconsiderarmos tudo o que já foi dito sobre o verdadeiro sentido dos símbolos e das imagens sagradas. De fato, nenhum católico em sã consciência afirma que a imagem de Maria ou de um santo é Deus. A Igreja sempre ensinou que essas imagens são ícones, e não ídolos.
Mas vamos além.
Se Maria e os santos estivessem mortos no sentido absoluto, sem consciência ou relação com Deus, realmente orar a eles pareceria sem sentido. Afinal, por que pedir a intercessão de alguém que está “inativo”?
Mas, e se Maria e os santos não estão mortos, como crê a Igreja desde os primeiros séculos? E se suas almas estão vivas, conscientes e já participam da glória de Deus, em comunhão com Ele? E se estão, como diz a Bíblia, entre “aqueles que seguiram o Cordeiro para onde quer que Ele vá (cf. Ap 14,4), intercedendo pelos irmãos?
Esse é, de fato, um ponto polêmico se você acredita que as almas “dormem". A objeção parte muitas vezes de uma crença equivocada — a chamada “doutrina do sono da alma” — que supõe que os mortos aguardam o juízo final inconscientes. Se for o caso, recomendo fortemente a leitura da reflexão A Vida Após a Morte, que trata exclusivamente desse tema, com base bíblica.
Voltando ao tema da intercessão, muitos irmãos protestantes dizem:
“Não precisamos de nenhum intercessor para ir a Deus, pois Jesus é o único mediador entre Deus e os homens.”
Sim, é verdade: Jesus é o único mediador da redenção. Nenhum católico jamais negará isso. A doutrina católica nunca ensinou que Maria ou qualquer santo substitua Jesus como mediador.
Pense assim: você, que crê em Cristo, já pediu oração a um amigo da sua igreja? Claro que sim. E isso não ofende a mediação de Jesus. Pelo contrário, manifesta a comunhão dos irmãos em Cristo. Se podemos pedir intercessão a alguém aqui na terra, porque não pedir àqueles que já estão na glória com o Pai!
É isso que fazemos ao pedir que Maria e os santos roguem por nós.
“As orações dos santos sobem diante de Deus como incenso.” (cf. Ap 5,8; 8,3-4)
Você pode dizer: “Mas os irmãos vivos estão conscientes. Maria e os santos estão mortos!”
Mas, como vimos, esse é exatamente o ponto: os santos estão vivos! Jesus mesmo disse:
“Deus não é Deus de mortos, mas de vivos.” (Lc 20,38)
E também:
“Quem crê em mim, ainda que morra, viverá.” (Jo 11,25)
Se os santos estão vivos em Deus e mais próximos de Cristo do que nós, por que não pedir a eles que roguem por nós?
Portanto, pedir a intercessão de Maria e dos santos é algo perfeitamente lógico dentro da fé cristã: é como pedir a um irmão da comunidade que reze por nós. Só que esse irmão está ainda mais unido a Deus — e por isso pode, com mais força, nos conduzir a Cristo. Afinal, a missão de Maria e dos santos é essa: levar-nos a Jesus, e Jesus nos levar ao Pai.
“Mas vocês se ajoelham e prestam culto…”
Sim, nós católicos prestamos culto de adoração a Deus — e somente a Ele. Mas também prestamos culto de veneração (chamado dulia) aos santos, e um culto especial de honra a Maria (hiperdulia), reconhecendo o que Deus fez neles e por meio deles. Isso não tira o lugar de Deus — pelo contrário, glorifica ainda mais o Seu nome.
E, afinal, quem foi que disse que ajoelhar-se significa necessariamente adorar? Vejamos alguns exemplos bíblicos:
“Davi se prostrou três vezes diante de Jônatas.” (cf. 1Sm 20,41) #reverência
“Davi se inclinou até o chão e se prostrou diante de Saul.” (cf. 1Sm 24,9) #saudação respeitosa
“Abigail, ao ver Davi, prostrou-se com o rosto por terra.” (cf. 1Sm 25,23) #gratidão
“Um homem vindo do acampamento de Saul, ao se aproximar de Davi, caiu por terra e se prostrou.” (cf. 2Sm 1,2) #humildade
São tantas passagens semelhantes que poderíamos listar muitas outras. O que fica claro é que prostrar-se na Bíblia nem sempre é adoração. Em muitos casos, é humildade, reverência, reconhecimento de autoridade, súplica, ou sinal de respeito e gratidão. Tudo depende da intenção interior e do fim do gesto.
Temos ainda o curioso caso de Saul se prostrando diante do espírito de Samuel:
“Saul entendeu que era Samuel, inclinou-se com o rosto em terra e se prostrou.” (1Sm 28,14)
Será que esse gesto de Saul foi um ato de adoração? Claro que não. Ele estava com medo, buscando uma resposta, reconhecendo a autoridade espiritual do profeta. E mesmo que se diga “mas não era o espírito de Samuel” — a discussão aqui é o sentido do gesto de se prostrar, e não o conteúdo espiritual do episódio, mas que ainda assim está bem discutido também na reflexão A Vida Após a Morte.
Por outro lado, também encontramos na Bíblia passagens onde ajoelhar-se é claramente adorar um ídolo, como no caso de Nabucodonosor:
“Todo homem que ouvisse o som da trombeta, da flauta, da cítara, da sambuca, do saltério, da gaita de foles e de outros instrumentos musicais deveria imediatamente se ajoelhar, adorando a estátua de ouro. E quem não se ajoelhasse para adorar seria lançado na fornalha ardente.” (Dn 3,10-11)
Aqui sim está claro: o ato de ajoelhar-se era adoração idólatra, imposta por decreto real.
Portanto, ajoelhar-se pode ser adoração, mas também pode ser respeito, reverência ou humildade, dependendo da intenção do coração.
Assim, quando nós católicos nos ajoelhamos diante de uma imagem ou símbolo, isso significa:
- Um gesto de humildade, reverência e respeito pela pessoa que a imagem representa.
- Uma demonstração de que essa pessoa é um exemplo para nós, alguém que imitamos na fé.
- Um reconhecimento de que essa pessoa não está morta, mas vive em Deus (cf. Jo 11,25).
- Um entendimento de que a imagem é um ícone, não um ídolo — ou seja, algo que nos remete a Deus, e não algo que substitua Deus.
- Uma certeza de que ajoelhar-se diante de um ícone não é adoração, mas um gesto profundo de respeito e amor àquela pessoa santa que nos conduz até Cristo.
Conclusão
Diante de tudo o que foi apresentado — com base na Escritura, na razão e na Tradição viva da Igreja — podemos afirmar com toda convicção: não há idolatria na fé católica ao utilizar imagens, símbolos ou ao prestar veneração aos santos e à Santíssima Virgem Maria.
A verdadeira idolatria consiste em colocar qualquer coisa no lugar de Deus, atribuindo-lhe o que é exclusivo d’Ele: adoração, salvação, poder divino. A Igreja Católica nunca ensinou isso.
A imagem do crucifixo, os ícones dos santos, o sino Vox Patris, as relíquias ou qualquer objeto sagrado não são deuses, nem ocupam o lugar de Deus. Eles são sinais visíveis de verdades invisíveis. Eles nos conduzem ao mistério de Deus, nos ajudam a rezar, nos colocam em comunhão com a história da salvação, e nos lembram constantemente da grande nuvem de testemunhas que nos envolve (cf. Hb 12,1).
Assim como Deus ordenou a Moisés levantar uma serpente de bronze para curar, assim como a Arca foi construída com imagens de querubins para manifestar Sua presença, assim como o Templo de Salomão foi ornado com figuras e esculturas conforme o mandado divino — também nós, hoje, podemos utilizar imagens sagradas como instrumentos legítimos para louvar e recordar as maravilhas de Deus.
A veneração católica não divide a glória de Deus com ninguém. Pelo contrário: quanto mais amamos e reverenciamos os santos, mais reconhecemos a grandeza d’Aquele que os santificou. Maria mesma declarou:
“O Senhor fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome!” (Lc 1,49)
Se o próprio Espírito Santo inspirou essas palavras, quem somos nós para negar honra àquela que foi chamada “cheia de graça” e escolhida como Mãe do Salvador?
Se nos curvamos diante de um crucifixo, não é para adorar madeira ou metal, mas para adorarmos o próprio Cristo crucificado e ressuscitado, lembrando que fomos amados até o extremo (Jo 13,1).
Se pedimos a intercessão de Maria e dos santos, é porque estamos todos unidos no mesmo Corpo místico de Cristo, vivos ou mortos, como diz a Palavra:
“Se um membro sofre, todos sofrem com ele; se um membro é honrado, todos se alegram com ele.” (1Cor 12,26)
Por isso, não deixemos que a ignorância invencível ou não — obscureça o brilho da fé autêntica. Aprendamos com a Bíblia, com a história da Igreja e com a vida dos santos. Não tenhamos medo de usar os sentidos, os símbolos, os gestos — pois o próprio Verbo eterno se fez carne, e santificou tudo aquilo que é humano para nos conduzir à glória divina.
Que tudo o que fazemos, com ou sem imagens, com ou sem joelhos dobrados, seja sempre para maior honra e glória de Deus. E que possamos responder com firmeza e serenidade, quando acusados injustamente de idolatria, mostrando que a fé católica é, sim, profundamente bíblica, encarnada, e centrada em Cristo. 🙏
Por Minha Fé Católica - 29/06/2025